sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Acordos em Desacordo

O PODER ATIVO DOS MAGISTRADOS NA EFETIVIDADE DOS DIREITOS TRABALHISTAS
Autora: Dra. Adriana Aires

A Justiça do Trabalho prima pelo incentivo aos acordos. Inúmeros processos são finalizados com efetividade média de 50% do pedido inicial, ou seja, daquilo que o reclamante entendia ser credor. Em paralelo, discute-se a irrenunciabilidade dos direitos do obreiro.
É certo que, há poucos séculos atrás, o contexto de indisponibilidade era cruel à figura do detentor da mão-de-obra. Jornadas exacerbadas, sub-valorização, escravidão, exploração eram apenas alguns dos algozes do trabalhador. A mecanização, e então a Revolução Industrial, só agravaram a situação, permitindo que, em muitas vezes, o homem fosse efetivamente substituído pela máquina. Sendo assim, foi imperioso que o legislador apadrinhasse o homem trabalhador, reconhecendo o desequilíbrio real das partes deste contrato (de trabalho) e buscasse uma medida de equilíbrio jurídico. Assim, a indisponibilidade dos direitos do trabalhador nasceu, inclusive chegando a alçar vôos altos como a classificação na natureza jurídica de direito público (sempre controvertida).
Não obstante, nem sempre os conflitos trabalhistas foram solucionados por órgão do Poder Judiciário. Antes, ainda no início do século XX, eram atribuição de órgãos administrativos e, sendo assim, suas “reclamações” poderiam ser revistas pelo Judiciário. Os acordos, enfim, eram estimulados, evitando demandas jurisdicionais.
A Constituição Brasileira de 88, máxime da legislação pátria, manteve essa natureza de indisponibilidade, bem como o objetivo conciliatório da trabalhista. Seguindo a tendência moderna de arbitragem, mediação e conciliação como formas de prevenir ou reduzir os conflitos, mesmo as Emendas Constitucionais posteriores não retiraram essa característica da Justiça obreira.
As conciliações, instituto muito mais condizente com a área dos direitos patrimoniais disponíveis, sendo ou não um contrasenso à indisponibilidade dos direitos do obreiro, ou não, segue firme nas Varas do Judiciário especializado trabalhista.
Em um contexto de mercado de trabalho competitivo, de automatização e mecanização cada vez mais evidentes, e de globalização, caminhamos na contra-mão da efetividade dos direitos do trabalhador e na contra-mão de uma mão-de-obra qualificada – ao menos no grosso do mercado. Isto porque o trabalhador qualificado conhece e sabe exigir seus direitos e, assim fazendo, é expelido do mercado, expurgado por saber demais. E o capitalismo não permite ao obreiro que se dê a este “luxo” de ser expelido.
Cientes da realidade massacrante, que impõe status e exige muitos fundos para sobreviver, as empresas usam e abusam do seu poder econômico.

A discussão não é nova: qual o papel do julgador trabalhista?

Como boa ouvinte e apaixonada pelo ofício, observo que, em várias audiências, o julgador “força” acordos, sob argumentos impróprios. Do ponto de vista do obreiro, necessitado do dinheiro (já que, via de regra, fora expelido do emprego abruptamente), o Magistrado justifica a imposição do acordo pela demora do próprio Judiciário, pela desorganização do próprio Judiciário, pela falta de coordenação e empenho do próprio Judiciário. Usa, em suma, a necessidade do trabalhador para acelerar a conclusão do feito, mesmo que ao preço de abdicar direitos constitucionais não percebidos no curso do contrato. Se o trabalhador é parte realmente mais fraca da relação material, o princípio protetor, nestes casos, é olvidado no âmbito processual. E mais: toda a brilhante teoria da legislação trabalhista mais paternal e abrangente é abdicada pelos números, pela necessidade fugaz, ainda que aplaudida a celeridade, de “encerrar” mais um processo.
Por outro lado, quando a resistência ao acordo é encontrada do lado do empregador – suposto devedor – a “ameaça” é focalizada em uma suposta procedência integral, analisada sumária e superficialmente, muitas vezes antes de toda a instrução. Quando o empregador se nega ao acordo, rogando demonstrar e comprovar que o obreiro não possui qualquer direito que postula, é sumariamente coagido. Jazindo sob uma triste lápide de “justiça injusta e tendenciosa”, a especializada trabalhista cerra seus olhos em uma cegueira desmedida, esquecendo-se do seu fim maior: a justiça social.
Observa-se, nesse ponto, que o melhor conceito de “justiça” deve ser buscado na afirmação clássica de Ulpiano: “são estes os preceitos do direito: viver honestamente, não ofender os demais e dar a cada um o que lhe pertence” (Eneo Domitius Ulpiano, jurista romano, em frase célebre).
É certo que os próprios Tribunais impõem a conduta, principalmente quando lançam a política de “cota de sentenças”, computando-se aquelas meramente homologatórias de acordo. Padecem em qualidade, para lucrar na quantidade. Vendem a propaganda da celeridade, ao preço dos direitos da massa. 
Acordo é pacto, são concessões bilaterais. Para firmarmos um acordo, cada parte deve ceder em algo, seja em valor, seja em forma de pagamento, seja em prestações.
Mas, se os direitos do trabalhador são indisponíveis e o são, principalmente ante a atenção especial dedicada pelo constituinte (quando de sua inclusão em um dos róis iniciais de direitos), não pode ser aleatório ou desmedido. Deve ser a exceção, e não a regra.
O acordo deve nascer – em tese – da constatação de um tripé: verossimilhança-necessidade-razoabilidade. Ainda que sobre tema diferente, são elucidativas as palavras do lúcido Juiz Ari Rocha (Proc. 1193/82, Junta de Uberaba - MG, 13.12.82):
O Juiz não pode fazer tábula rasa do bom senso, do equilíbrio e da auscultação da realidade que o cerca. Atentaria ele contra a eqüidade, se assim não agisse, blasonando por seu direito de aplicar o disposto em lei. Claro: é um direito, mas esse direito, longe de prender-se nas malhas de esquemas rígidos e frios, amolda-se à peculiaridade dos casos e das situações.
Verossimilhança do alegado pelo obreiro, verificada em fatos não contestados, em falta de resistência a um acordo por parte da empresa, em propostas trazidas pela empresa, em confissão, em testemunhas, em provas. Verificada no bom senso do Magistrado.
A necessidade é observada por parte do empregador. O empregador que não pode arcar com tudo o que o trabalhador faria jus ou, ao menos, não pode arcar à vista. O acordo não existe para privilegiar burlas à lei. Existe para viabilizar o pagamento do máximo possível, para evitar, por exemplo, que uma micro ou pequena empresa quebrem - deixando outros empregados ao desemprego - para saldar dívida de apenas um.
A lógica é a preservação da empresa, do sistema econômico, das oportunidades de trabalho. O empregado – individualmente falando – abre mão de parte do que teria direito para evitar que outros empregados sofram consequências de uma empresa ao pé da falência. Sendo assim, não se justifica, por exemplo, para grandes e estáveis empresas. Para estas, apenas se penaliza o empregado preterido em seus direitos, eis que não há ameaça à estabilidade da empresa.
E razoabilidade, como terceiro fundamento, porque nada é justo se não for razoável. Deste requisito, impede-se o desequilíbrio da balança entre as partes.
Inexistente qualquer um dos três pilares, não há base fundamentológica ao acordo. Cabe, então, uma sentença de mérito, uma análise de fatos e provas, minuciosa. Cabe, então, um efetivo julgamento.
A justificativa do acordo não pode ser a demora do Judiciário, porque isto é justificativa para mudanças no próprio Judiciário, para agilidade, para competência, para coerência e organização. A justificativa do acordo não pode ser uma análise superficial das razões da exordial, sob pena de – o que ocorre, infelizmente – homologações de acordos flagrantemente injustos.
O Judiciário trabalhista deve ser o defensor dos direitos sociais. Deve valer-se de sua competência para implementar efetividade a estes direitos, razoabilidade às decisões e justiça social aos casos concretos. Sem isto, a função social do julgador fica mitigada.

Fonte: http://www.alevatoairesconsultoria.com/artigos_14.html

Um comentário:

Anônimo disse...

Discordo da autora. Acho que os acordos ajudam a justica a ser mais celere, ja que existe uma infinidade de recursos e os processos aqui no meu Estado (AM) costumam demorar quase 10 anos. Janaina Costa Melo - advogada - jancosta@hotmail.com