terça-feira, 7 de abril de 2009

Gestão de Pessoas e Gestão do Conhecimento: uma reflexão

Hilda Alevato

Há meses, quando recebi um convite da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento, Seção Rio, para uma palestra sobre a relação entre os modelos de gestão de pessoas e a gestão do conhecimento organizacional, logo me veio à mente a lembrança de uma experiência profissional que vivi há alguns anos. Convidada pela “Gerente de Talentos Humanos” de uma grande empresa nacional, para uma “consultoria”, justificada pelos problemas “comportamentais” dos empregados, fui visitar seu escritório.
A princípio, o nome de sua função me despertou a curiosidade: “Gerente de Talentos Humanos”. Ao agradecer o convite e agendar nosso primeiro encontro, recebi, por e-mail, um conjunto muito interessante de textos explicativos da mudança de “Gerente de Recursos Humanos” para a nova denominação, associada à adoção de um importante aporte filosófico de caráter humanista. Eram cadernos escritos com sabedoria, fundamentos e estilo, positivamente surpreendentes num universo de manuais e cartilhas muito limitadas a conselhos práticos, típicos do ramo de atividade. Fiquei muito bem impressionada com o material e fui ao encontro, cheia de expectativas.
Fui recebida à porta, por uma jovem senhora, elegante e altiva. Seu tom de voz era compatível com sua altura: intimidador. Seguimos por um labirinto entre divisórias, por sobre as quais ela procurava visualizar todo o agitado salão. Sua pequena “sala” ficava mais ou menos ao centro de todo o conjunto. Lá, uma estagiária ocupava uma mesinha ao lado da sua. Ela me convidou a sentar e começamos a conversar.
De início, a citação do material enviado me mobilizou. Falamos um pouco sobre o processo de implantação da nova filosofia e ela me apresentou argumentos bem consistentes sobre a rejeição à idéia de seres humanos tratados como “recursos”. A imagem que ela passava da empresa era de um ambiente acolhedor, dinâmico e estimulante, com lideranças qualificadas e preparadas para o processo em curso. Então, eu perguntei sobre o motivo do convite que me levava a ela.
Repentinamente, sua atitude alterou-se, seu corpo se enrijeceu e sua fala pareceu querer atingir o mais distante funcionário em todo aquele salão, recortado em pequenos cubículos. Com certo tom de “ressentimento”, ela me explicou que estavam perdendo todos os “trainees” para a empresa concorrente. Trabalhavam com eles, ofereciam cursos, desenvolviam suas competências, tinham o sistema de gestão afinado com as tendências das melhores empresas do mundo e, mesmo assim, eles estavam sempre “desmotivados” e migravam de emprego quando qualquer oportunidade surgia. Sem aparentar hesitação, ela afirmou, em bom volume de voz: “sabe, agora decidimos que se querem ir, que vão. Não interessa! Não vamos fazer nenhum esforço para preservá-los aqui. Temos uma fila de desempregados aí fora querendo entrar! Podem ir! Vão-se os trainees, mas o conhecimento fica! Pensam que os concorrentes nos ameaçam? Nem um pouco... O conhecimento fica!”
O olhar da estagiária para mim – se pudesse ser aqui reproduzido – explicaria tudo. O salão, antes movimentado, vivo, agora parecia silencioso, como se estivesse vazio. O discurso da gerente, sem dúvida, havia provocado impacto. A questão, porém, é: quais os efeitos de sentido que sua fala tinha sido capaz de evocar?
O campo da comunicação é, sem dúvida, um dos mais relevantes quando se trata de gestão. Na situação que estamos descrevendo, a prática comunicativa de minha anfitriã era desastrosa. Em poucos instantes, ela conseguiu não apenas interferir na dinâmica daquele dia de trabalho dos empregados, como também anular toda a qualidade que eu identificava nos documentos da empresa. Mesmo sua apresentação anterior, um verdadeiro case para qualquer seminário empresarial, parecia agora um grande engodo, preparado para impressionar, não para funcionar. Até eu estava com vontade de ir embora!
Dentre muitos outros pontos que poderiam ser trazidos à discussão aqui, a reflexão sobre a conexão entre a gestão do conhecimento e o modelo de gestão de pessoas se destaca. Não me refiro à gestão (do conhecimento, das pessoas etc.) descrita nos documentos da empresa – no caso, exemplares – mas à prática explicitada nas atitudes daqueles que deveriam ser seus melhores porta-vozes. Como é tratado o conhecimento numa empresa na qual aquilo que se registra não é o que se efetiva? O que é conhecimento quando se imagina que “ele fique”, ainda que as pessoas não?

Frequentemente nos encontramos diante de situações semelhantes. Assoberbados com as fantásticas tecnologias disponíveis e tudo o que trazem a reboque, especialmente em termos de informações, pressões e oportunidades, nos apropriamos de conceitos, emblemas e bandeiras sem nos darmos conta do que significam ou do contexto em que se inserem. Algumas vezes, nossas atitudes parecem demonstrar que contratamos a redação de um fantástico projeto, mas esquecemos que o projeto sozinho – ainda que escrito dentro das recomendações mais avançadas no campo da gestão – não se transforma em realidade, nem a transforma.
A gestão do conhecimento organizacional – pouco importa o modelo adotado pela empresa – está imbricada na gestão das pessoas. Não são dois processos distintos, porque muito além da estruturação, documentação, preservação e expansão dos conhecimentos, estão as pessoas. Sem a devida atenção à gestão das pessoas, nenhum mecanismo ou modelo tem chance de ser bem sucedido.
Rubem Alves, em seu inspirado livro “Ostra feliz não faz pérola”, nos oferece um interessante parágrafo para refletir sobre a essência da “gestão do conhecimento”:
"Havia um homem apaixonado por estrelas. Para ver melhor as estrelas ele inventou a luneta. Aí formou-se uma escola para estudar a sua luneta. Desmontaram a luneta. Analisaram a luneta por dentro e por fora. Observaram os seus encaixes. Mediram as suas lentes. Estudaram a sua física ótica. Sobre a luneta de ver as estrelas escreveram muitas teses de doutoramento. E muitos congressos aconteceram para analisar a luneta. Tão fascinados ficaram pela luneta que nunca olharam para as estrelas".

Publicado no C25 Notícias, ano 13, n. 57, fev/2009. Boletim Informativo da ABNT http://www.abntcb25.com.br/cb25noticias/ed57/jornal57.htm

2 comentários:

Jacqueline Ricarte disse...

Eu assisti a palestra da Profª Hilda, a convite da SBGC, na última terça-feira dia 14, na Valer. Foi ótima! Eu já defendia que é impossível fazer gestão do conhecimento, sem gestão de pessoas. Agora, mais ainda, depois de sua brilhante explanação, estou convencida de que é primordial para os gestores estarem alertas sobre as necessidades, os medos, as dificuldades e tantos outros pontos mais que cada pessoa possa apresentar, e não somente o que ela sabe e é cobrada à oferecer em troca do emprego, do salário...Certamente sua colaboração e seus resultados serão bem melhores.

NEST disse...

Muito obrigada pelos comentários, Jacqueline! Bem-vinda ao Blog do NEST!