sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Por que pensar cansa?

artigo de Suzana Herculano-Houzel

"Até o melhor dos concertistas começa a sofrer de fadiga cerebral ao cabo de uns 60 ou 90 minutos de atividade"


Suzana Herculano-Houzel, é neurocientista, professora da UFRJ e autora do livro "Fique de Bem com o Seu Cérebro" (ed. Sextante) e do site "O Cérebro Nosso de Cada Dia" (http://www.cerebronosso.bio.br). Artigo publicado na Folha "de SP":

Tenho certeza de que você já passou por isso. A atividade é tão empolgante -ou obrigatória- que você fica uma ou duas horas empenhado lendo, tocando piano, analisando números, traduzindo, separando pecinhas de quebra-cabeça, apreciando obras de arte ou resolvendo problemas de lógica sem parar. Até que... Você não consegue mais. Não consegue nem quer mais: seu cérebro cansou do assunto e agora pensa em tudo menos no parágrafo ou no quadro à sua frente. Luta para encontrar as palavras, já não manda os dedos se mexerem na hora certa, não enxerga a diferença entre as peças, não vê lógica nenhuma naquela nuvem de números.

E não é só uma questão de motivação. Pensar -usar neurônios específicos para resolver um problema específico- cansa mesmo. O fenômeno, que encurta o tempo útil de qualquer atividade sustentada, tem sua função: impedir a hiperativação dos neurônios (e, de quebra, não deixar que sua vida se resuma a um piano ou a uma calculadora).

A fadiga cerebral está associada ao acúmulo de adenosina, uma pequena molécula liberada pelas células da glia, vizinhas aos neurônios, em resposta aos neurotransmissores que estes usam para trocar informações entre si.

Por isso, quanto mais intensa for a atividade em uma região do cérebro, mais neurotransmissores serão liberados pelos neurônios ali e mais adenosina será liberada de volta sobre os neurônios.

A adenosina, por sua vez, age como um freio sobre a atividade dos neurônios e impede que eles fiquem excessivamente ativos -além de colocar um "teto" cada vez mais baixo conforme você insiste no assunto, na sua capacidade de processamento de informação. Por isso não adianta treinar piano ou matemática por muitas horas consecutivas, e não dá para manter o desempenho trabalhando horas a fio em uma mesma tarefa. Até o melhor dos concertistas começa a sofrer de fadiga cerebral ao cabo de uns 60 ou 90 minutos de atividade.

O consolo, para quem ainda tem um dia inteiro pela frente, é que a fadiga é específica, limitada aos circuitos que trabalharam demais. Se você mudar de assunto e for ler depois de esgotar seu córtex motor tocando piano, seus neurônios da linguagem analisarão o texto sem problemas. Por isso o currículo escolar acerta ao não manter ninguém pensando no mesmo assunto por tempo em excesso.

E, quando todos os circuitos cerebrais tiverem se esgotado, o cérebro tem seu próprio remédio contra a fadiga: dormir, para então... Começar tudo de novo!

Fonte: Jornal da Ciência, Edição 3626 - Notícias de C&T - Serviço da SBPC

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