30/09/2015 do Ministério do Trabalho e Emprego instituindo a Comissão Especial
para debater o uso do amianto no Brasil.
A FUNDACENTRO foi criada em 1966 e vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego a partir
de 1974. É uma autarquia federal cuja missão é a “Produção e difusão de conhecimentos que
contribuam para a promoção da segurança e saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras,
visando ao desenvolvimento sustentável, com crescimento econômico, equidade social e
proteção do meio ambiente”. É composta por um Centro Técnico Nacional, localizado na
cidade de São Paulo e 13 unidades descentralizadas em diferentes estados da Federação.
Desde 1994 é designada como Centro Colaborador em Saúde Ocupacional credenciado pela
Organização Mundial da Saúde (OMS).
O corpo técnico e de servidores da instituição, de forma independente da Presidência e da
Diretoria Técnica da casa, vem a público manifestar a sua surpresa e repúdio quanto à edição
da Portaria acima mencionada, e solicitar a sua revogação imediata. O teor da nefasta Portaria
menciona explicitamente debater o uso do amianto “sob o prisma do uso seguro“. No assunto
em pauta, não estamos anestesiados.
É nosso dever e é função precípua dos servidores públicos zelar pelo atendimento, cuidados e
defesa da população, sem colorações partidárias. É nosso dever denunciar os desmandos e os
malfeitos. É um direito do povo brasileiro, trabalhador exposto ou não, de ter acesso a
conhecimento suficiente sobre a nocividade do amianto e sobre os riscos advindos de seu uso.
Estes são totalmente evitáveis pela substituição do amianto como insumo industrial por
outros, atualmente disponíveis, mediante tecnologia mais limpa.
O “uso seguro” é uma discussão anacrônica e falaciosa. São proferidos argumentos de que
pode haver uso seguro do amianto em atividades típicas com a fibra, como por exemplo, na
mineração de amianto ou na grande indústria de cimento-amianto. Teoricamente, é um
argumento correto. Exemplificamos a cotação anterior: nos Estados Unidos mais de 4.000
multas foram aplicadas entre 1996 e 1998 por descumprimento aos padrões nacionais de
exposição ao amianto em diferentes ramos industriais que lidam com a fibra (Castleman B.
IJOEH 2003;9-294-298). Além disso, fora da chamada indústria típica do amianto o controle é
inexistente! Não há qualquer controle em atividades de construção onde há farto uso de
materiais de cimento-amianto, em operações de manutenção de máquinas, manipulação de
materiais de fricção, demolições e disposição de rejeitos, só para mencionar algumas
situações. Importante lembrar: o quanto representa a população passível de integrar
programas de “uso seguro” (novamente, na teoria)? Calcula-se, no máximo, 10% da população
exposta em ambientes de trabalho. A maior parte das exposições em ambientes de trabalho
são inadvertidas. Não é aceitável que a argumentação do “uso seguro” persista!
Estima-se que mais de 6 milhões de toneladas de crisotila estejam espalhadas no país. Sob
diversas formas: amianto bruto, estoques de empresas, produtos contendo amianto, produtos
instalados, materiais de demolição e rejeitos. Este número só cresce. O risco de exposição na
população cresce na mesma medida. Os muros das empresas retém apenas uma ínfima
parcela do amianto que se encontra espalhado no território brasileiro, atingindo grande
parcela da população. O uso do amianto extrapola a questão ocupacional – que já é ruim –
afetando a população geral, notadamente as classes menos favorecidas que são sempre as
mais afetadas por contaminações ambientais.
É importante salientar que o amianto tem substitutos tecnologicamente e economicamente
viáveis para todas suas aplicações. A crisotila é classificada dentro do grupo de cancerígenos
humanos do IARC (Grupo 1). Nenhum substituto do amianto é classificado como cancerígeno
do Grupo 1 pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC/OMS).
No ano de 2007 o Ministério do Trabalho e Emprego e a FUNDACENTRO posicionaram-se
publicamente em favor do banimento do amianto ao final dos trabalhos da Comissão
Interministerial do Amianto. No ano de 2012, o Ministério do Trabalho e Emprego e a
FUNDACENTRO posicionaram-se publicamente no Supremo Tribunal Federal em favor do
banimento do uso do amianto no país.1 Também em 2012, o Conselho Nacional de Saúde
exarou a Recomendação nº 202, exortando as autoridades do país a se comprometer com o
banimento e a adotar medidas a favor da adoção de tecnologias mais saudáveis (tanto
ambiental quanto ocupacionalmente). A Portaria 1287 de 30 de Setembro de 2015
simplesmente ignora o debate e retrocede no tempo, no compromisso com condições
decentes de trabalho, com equidade social e com saúde da população.Como fundamentos adicionais a este posicionamento, transcrevemos abaixo a Nota de
Repúdio da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), que complementa este
documento de forma brilhante.
Nota Técnica de Repúdio da ANAMT contra a Portaria no.1287, de 30/9/2015, do
Ministro do Trabalho e Emprego
1. A Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), vinculada à Associação Médica
Brasileira (AMB), em representação de mais de dez mil médicos do trabalho em nosso país, em
consonância com seus objetivos estatutários que incluem – com destaque – “a defesa da saúde
do trabalhador” –, vem a público para manifestar seu REPÚDIO à Portaria no. 1.287, assinada
pelo Ministro do Trabalho e Emprego, em 30 de setembro de 2015. A malfadada Portaria
Ministerial institui, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, uma “comissão especial”,
com a finalidade precípua de “debater o uso do amianto no Brasil, sob o prisma do uso
seguro”.
2. Os profissionais de Saúde de nosso país não podem se calar frente a essa aberração política
e burocrática, criada tão somente para atender a interesses econômicos, específicos e
localizados. Os médicos, de modo particular, têm a obrigação de denunciar e lutar contra a
banalização da saúde e da vida, não apenas dos trabalhadores da cadeia produtiva do amianto
no Brasil, mas, também das populações não ocupacionalmente expostas, mais vulneráveis,
1 http://www.fundacentro.gov.br/multimidia/detalhe-do-video/2012/12/audiencia-publica-amiantoeduardo-
algranti
http://www.fundacentro.gov.br/multimidia/detalhe-do-video/2012/12/audiencia-publica-amiantoeduardo-
de-azeredo-costa
2 http://conselho.saude.gov.br/recomendacoes/2012/Reco020.doc
mais desinformadas, e mais indefesas, que se expõem às fibras de amianto crisotila nos vários
momentos do seu “ciclo de vida”, caracterizando um grave problema de Saúde Pública, o qual
extrapola – em muito - a competência de quem instituiu a referida Comissão!
3. Aliás, no entendimento da ANAMT, a geração, disseminação, magnificação e “socialização”
de risco previsível e evitável deveriam ser tipificadas como “cumplicidade empresarial” em
violação de Direitos Humanos, como bem o faz a Comissão Internacional de Juristas – CIJ
(Complicité des Enterprises et Responsabilité Juridique – Volume 1: Affronter lês Faits et Établir
une Voie Juridique. (Genebra, 2008)3
4. A questão é grave, pois ela desconsidera uma longa história de lutas e avanços duramente
conquistados, no Brasil e no mundo, e que – a exemplo de mais de 50 países - culminaram na
proibição total (banimento) da extração, industrialização, comercialização, transporte e uso do
amianto crisotila e seus produtos, em pelo menos cinco estados da federação (Mato Grosso,
Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo), e em aproximadamente 23
municípios, incluindo várias capitais de estados.
5. A questão também é extremamente grave, na medida em que – no caso em tela - se
caracteriza como uma iniciativa do Estado, materializada pelo atual Governo, em flagrante
desrespeito aos princípios constitucionais relativos ao papel do Poder Público no campo da
Saúde (Art. 196 da CF e Lei no. 8.080/90) e no campo do Meio Ambiente (Artigo 225 da CF).
6. A questão também é grave porque desconsidera que o amianto crisotila é cancerígeno
humano amplamente estudado, há muito assim tipificado pela Agência Internacional de
Pesquisa sobre o Câncer (IARC), da Organização Mundial da Saúde, o qual, no Brasil, também
foi caracterizado como “carcinogênico confirmado para humanos” (Grupo 1) e integra a “Lista
Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos” (LINACH), instituída pela Portaria
Interministerial no. 9, de 7/10/2014.
7. A questão também é grave porque parte de um conceito falacioso, de que existiria algum
“uso seguro” do amianto crisotila, quando se sabe que, pelo fato de as fibras serem
carcinogênicas e não ter sido até hoje possível estabelecer, para os efeitos neoplásicos, em
especial o mesotelioma maligno de pleura, qualquer limite seguro de exposição, a única
alternativa tecnicamente factível e eticamente aceitável é a eliminação total (banimento) da
cadeia produtiva e do ciclo de vida da crisotila.
8. Aliás, esta é a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS)4, da Organização
Internacional do Trabalho (OIT)5, da Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer
3 Acessível em http://icj.wpengine.netdna-cdn.com/wp-content/uploads/2009/07/Corporatecomplicity-
legal-accountability-vol1-publication- 2009-fra.pdf
4 Acessível em http://whqlibdoc.who.int/hq/2006/W2 Acessível em
http://whqlibdoc.who.int/hq/2006/WHO_SDE_OEH_06.03_eng.pdf
5 Acessível em http://www.ilo.org/gb/GBSessions/WCMS_GB_297_3_1_EN/lang--en/index.htm
(IARC/OMS)6, entre muitas outras7. Todas são unânimes em reiterar a necessidade da proibição
(banimento) completo da extração, do beneficiamento, do transporte, da industrialização, da
comercialização, do uso, da exportação e importação da fibra de amianto crisotila, e de
produtos que a contêm, como única alternativa de eliminar o risco que elas representam para a
saúde humana.
9. No entendimento da ANAMT, já passou da hora de superar a armadilha do estéril debate
procrastinador sobre a exatidão dos números de vítimas do amianto crisotila no Brasil
(doentes, incapacitados e mortos), pois, mais do que filigranas estatísticas, trata-se do
CONCEITO: 1, 10, 100, 1.000, 10.000 (qualquer número acima de zero!) de casos de doenças ou
mortes evitáveis é inaceitável e deveria causar indignação e repulsa, tanto na sociedade como
um todo, como em todos os médicos!
10. Ao contrário dessa iniciativa desastrosa, capitaneada pelo Ministério do Trabalho, a
ANAMT considera como urgente, inadiável e indispensável, a correta intervenção do Estado, do
Poder Público, na sua responsabilidade constitucional de guardião da saúde de seus cidadãos, e
por extensão, também, sua responsabilidade planetária em contribuir para a sustentabilidade
social e ambiental do mundo, até o dia em que prevaleça o ético sobre o econômico8! Isto
posto, a ANAMT conclama a todos – em especial as entidades que defendem a saúde coletiva e
a saúde dos trabalhadores, bem como as entidades sindicais de trabalhadores – que se juntem
no REPÚDIO à Portaria no. 1.287, de 30/9/2015!
São Paulo, 1º de outubro de 2015.
Dr. Zuher Handar
Presidente da ANAMT
6 Acessível em http://www.iarc.fr/en/publications/pdfs-online/monographs/index.php
7 Ver lista completa e atualizada dos posicionamentos estrangeiros e internacional em http://www.jpcse.
org/documents/03.JPCSE-Position_Statement_on_Asbestos-June_4_2012-Full_Statement_and_Appendix_A.pdf
8 JONAS, H. – O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica.
[Tradução do original alemão por Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez]. Rio de Janeiro:
Contraponto/Editora PUC – Rio, 2006. 354 p.
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