Um padre desconcertante (seria ele a ‘cara’ do novo catolicismo pós-moderno?)
Ana Cláudia Vargas (Jornalista e Escritora)
Sobre um palco iluminado, um vistoso padre bonitão, de calças justas,
botas e chapéu de cowboy norte-americano saracoteia todo animado.
Enquanto transborda simpatia ao apresentar as atrações de seu programa
semanal, ele também faz o que todos os apresentadores televisivos fazem:
vende produtos tão diferentes quanto pílulas e colchões; abraça
crianças e velhinhos, é aclamado por devotas de Nossa Senhora Aparecida e
vende seu livro. Na plateia do programa, caravanas de todo o país
formadas por pessoas tipicamente interioranas de todas as idades erguem
faixas com os nomes de suas cidades enquanto gritam o nome do padre
alucinadamente como se ele fosse uma estrela do rock.
Sim, eu sei que há muitos anos certa banda gaúcha já alardeava que o
papa era pop, então, um padre ser pop não é novidade nenhuma, mas ainda
assim, causa bastante estranhamento ver um padre tão moderno, vaidoso e
confortável em suas roupas justas de cowboy (vejam: ele não se veste
como um caipira brasileiro ou um rapaz bem nascido do interior, um
fazendeiro brasileiro; não; ele usa roupas de cowboy norte-americano e
isso pode dizer muito sobre algumas coisas que eu, infelizmente, não
tenho capacidade de analisar).
Eu que não sou socióloga, antropóloga ou psicóloga, sou apenas uma
profissional do jornalismo que como se sabe é uma profissão ultimamente,
bastante mal vista, tento analisar esse tipo de ‘fenômeno cultural”
tentando somente não esbarrar nos limites impostos por julgamentos
precipitados ou pré- conceituosos.
Tomando essas precauções então, é que vejo esse padre como sendo
somente uma das muitas faces da grande confusão ideológica desse nosso
começo de século: tudo o mais está em fragmentação – a política (agora
não há simplesmente esquerda e direita e sim, centro-esquerda e/ou
direita afinada com a esquerda: isso não seria, afinal, uma anarquia
quase institucionalizada?) a questão de gênero (você sabe que agora não
há somente homens e mulheres; há muitas nuances de gêneros sexuais
humanos em ebulição e sabe-se lá o que virá por aí) – então que mal há
em que apareça um padre assim tão diferente daqueles que rezavam missas
de forma respeitosa e compungida?
Um padre todo feliz e animado, vestido (você já sabe como); um padre
que também canta aquelas ‘pérolas’ da pior música sertaneja que sempre
‘cheiram’ a botecos de beira de estrada, traições, cervejas quentes e
fuscões pretos (credo!).
Ou seja: um padre no mínimo, desconcertante e que veio (como dizem
hoje) para ‘causar’; um padre que deve ter sido construído pelo
departamento de marketing de algum empresário ‘bem intencionado’ do tipo
que constrói as anitas e lexas da vida, um padre que ‘seduz’ velhinhas e
mocinhas e finge não perceber isso.
O que pensar de um padre assim? Que em um minuto vende pílulas da
longevidade (?) e no outro, reza uma ave-maria; que recebe cantores
mirins e os despacha como se fosse aquele apresentador dominical de
certa rede de TV e depois olha para a câmera, candidamente, e diz ‘não
desligue sua TV porque logo mais teremos a benção da família…’.
Acho esse padre uma ‘figura’ bastante interessante, um representante
típico – como já disse – do nosso esquisito começo de século; mas como
os fieis do catolicismo também estão mais perdidos e confusos do que
tudo e estão ansiosos por uma luz divina que os faça aceitarem coisas
como casamentos gays, entre outras pós-modernidades …
…pois num cenário assim, talvez a existência de um padre tão jovial e
modernoso, seja sim, uma forma de resgatar a fé, mas, ao mesmo tempo –
sempre tem um ‘mas’ – um padre tão confortável no papel de apresentador,
cantor e ‘marqueteiro’; tão carregado das contraditórias emoções
humanas também contribui bastante para distorcer e confundir aqueles que
achavam (ou acham) que Deus combina com ideias (e ideais) que se afinam
(por exemplo) com o silêncio, a quietude, com filosofias de vida que
pregam a preservação da flora e da fauna (como sabemos, cowboys gostam
de rodeios e em rodeios animais são maltratados), o respeito (se ele
canta músicas que falam de traições e/ou adultérios isso não parece
‘estranho’ quando sabemos que o catolicismo ainda é muito conservador em
alguns aspectos, inclusive naquele que impede que padres se casem?).
Um padre que parece tão à vontade em um ‘mundo’ que representa tantos
desequilíbrios emocionais e que parece, inclusive, fartar-se desse
desequilíbrio e que se assemelha mesmo a um desses cantores do tal
‘sertanejo universitário’ que alimentam e são alimentados pelo fanatismo
que despertam e que – como sabemos – tem sua origem, também, em
‘coisas’ como vaidade, luxúria, sedução, sensualidade ….
Pois, um padre assim não deveria deixar os fieis mais confusos e
perdidos? Mas não: é o contrário disso que ocorre e, então, eu não sei
se isso é bom, ruim ou simplesmente a confirmação de quão perdidos
estamos todos. Nós, inclusive aqueles que pareciam imunes às
imperfeições mundanas: os religiosos, aqueles que pareciam mais próximos
de Deus.
No meio de tantas perguntas sem resposta há só uma coisa exata e tão
brilhante como o sol arregalado desse começo de primavera: a religião e
tudo o que ela representa(va) deixou órfãos até aqueles que se
refugiavam em seus conceitos e perdidos estaremos todos se acharmos que
ela ainda pode nos falar de Deus.
Fonte:
https://espacoacademico.wordpress.com/2015/10/17/um-padre-desconcertante-seria-ele-a-cara-do-novo-catolicismo-pos-moderno/comment-page-1/#comment-8053