quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Manfred Kets de Vries - II


“As empresas são emocionalmente subdesenvolvidas”
Você possivelmente já cruzou com algum destes personagens: o CEO de meia-idade que, entediado, arranjou uma mulher 30 anos mais jovem – a famosa “esposa troféu”. Ou então o diretor de RH que entrou em depressão depois de executar um corte drástico de pessoal. Ou o executivo ou executiva que subitamente perdeu um filho ou parente e um abismo emocional se abriu diante de seus pés. São fatos da vida que, na dinâmica das corporações, são sublimados. É como se jamais houvessem ocorrido. Mas não para o holandês Manfred Kets de Vries, 67 anos, psicanalista, economista e professor do Insead. Vries é autor de uma recém-lançada obra provocativa, que aborda os quatro pilares da existência humana: Sex, Money, Happiness and Death: The Quest for Authenticity (“Sexo, dinheiro, felicidade e morte: a busca da autenticidade”). “Nossa vida profissional seria muito mais gratificante se deixássemos de negá-los”, diz Kets de Vries.


No Insead, sediado em Fontainebleau, subúrbio aristocrático de Paris, o professor junta gestão e liderança nas organizações com a psicanálise. Desde 2003, quando assumiu a direção do Leadership Centre, ele acrescentou às atividades de professor, pesquisador e autor o trabalho de coach. Grandes empresas, como Nokia, Heineken, KPMG, McKinsey e Unilever, aprenderam a confiar em seus insights e na dinâmica peculiar de seu trabalho, que envolve o coaching de grupos. Vries não economiza críticas às corporações (e também aos seus colegas acadêmicos): “O mundo dos negócios e a academia são emocionalmente subdesenvolvidos”, afirma ele.
Connaisseur de chocolates, viajante intrépido – já andou pelo Pantanal e pela Amazônia –, Kets de Vries é a prova viva de que vale a pena perseguir o equilíbrio na vida pessoal e profissional. Segundo sua secretária, Sheila, o acadêmico costuma cantar o Parabéns a Você em holandês no aniversário de cada colega no Insead. Fazendo uma analogia psicanalítica, seu trabalho coloca as empresas e seus líderes no divã. “Eu costumo tratá-los antes como seres feitos de emoção, e não só como atores racionais”, disse a Época NEGÓCIOS por telefone, de Paris.


Seu livro pegou muita gente de surpresa. Alguns críticos torceram o nariz, dizendo que ele deveria estar na estante da autoajuda, e não de administração. O que o senhor diz a respeito?
Era esperado. Os quatro temas que abordo são essenciais à vida de todo ser humano, mas estão rigorosamente excluídos nas empresas. É uma exclusão aparente, claro, pois isso seria algo impossível. Mas a ilusão persiste. As empresas, e também o meio acadêmico, são lugares emocionalmente subdesenvolvidos. Meu objetivo com o livro foi tentar fazer o executivo refletir sobre o que, de fato, tem importância em sua vida. Também quis sacudir meus colegas da academia de suas torres de marfim. Os acadêmicos deveriam estar mais atentos aos problemas reais de pessoas reais, e não ficar tentando impressionar um ao outro.




O que um coach e professor como o senhor teria a dizer para executivos sobre sexo? Isso não seria um assunto privado?
De um lado, é claro que sim. De outro, porém, a sexualidade reverbera na vida, e de formas muitas vezes inusitadas. Veja a relação de sexo, dinheiro, poder e depressão. Acompanho executivos nas últimas décadas. É muito comum, depois de bem-sucedidos, que se aposse deles um sentimento de vazio. De tédio. No setor financeiro, isso é muito comum. Porém, aos executivos não é permitido – e eles não se permitem – demonstrar sinais de angústia. Entediados com as conquistas, a depressão aumenta. O que fazer? Uma válvula de escape é o sexo. Trocar de mulher – arranjar a famosa “esposa troféu”. Ou então se atirar num negócio realmente grande e agressivo. Uma oferta hostil, por exemplo. Qual a melhor cura para o tédio – pensam eles – do que se tornar um viking moderno, saqueando e estuprando tudo em volta? Fusões e casamentos, nestes casos, têm a mesma finalidade. Eles podem mascarar por algum tempo a angústia, mas chega uma hora em que todos têm de diminuir o ritmo. A saúde e o corpo não são mais os mesmos. E nessa hora fica realmente difícil confrontar a dura realidade.


Como se prevenir disso?
Por meio de uma constante avaliação de si mesmo: “O que eu realmente quero?”. Afinal de contas, não vale a pena ser o sujeito mais rico do cemitério. Sei que isso é difícil de fazer, e de prescrever para os executivos. Mas é necessário.


Como o dinheiro e a questão da remuneração nas empresas se encaixam nesse quadro?
A questão é: quanto é o suficiente? Eu faço essa pergunta para os executivos. E eles não sabem me dar uma resposta. Nunca se questionaram sobre isso, pois, quando o assunto é remuneração, é sempre possível, em teoria, ganhar mais. Não existe um teto em que as pessoas digam: “Esse limite para mim está ótimo”. Isso é bem razoável, mas ao mesmo tempo contraintuitivo... Existe um problema inerente ao ganho financeiro: com ele nasce, concomitantemente, uma cadeia de necessidades. Os mais ricos são também os mais necessitados, por paradoxal que isso soe. Eu sempre digo nos meus seminários: “Veja, um sujeito realmente poderoso era o Buda, que não precisava de nada, e vivia sem um tostão”. Se você quer ser realmente poderoso, tem de abrir mão de suas necessidades.


E o que traz felicidade?
É uma pergunta difícil. Mas eu acho que o primeiro passo é ter um objetivo que o mova. E esse objetivo deve nascer da sinceridade. Alguns empreendedores são realmente sinceros ao querer criar um negócio inovador, de qualidade, e isso os faz genuinamente felizes. Para outras pessoas, os projetos e os objetivos são outros. O sucesso profissional entra aí como um meio, e não como um fim em si mesmo. Conheço um executivo que uma vez por mês vai a um hospital de crianças com câncer. Lá, passa uma tarde, distribui balas, brinca com as crianças. “Manfred, esse é o dia mais feliz do meu mês”, ele me disse.




Como lidar com a morte?
Todo mundo tem a ilusão de que vai viver para sempre. E mesmo assim a morte insiste em provar que estávamos enganados! Para os executivos, um dos resultados de nossos seminários é que eles acabam formando uma rede emocionalmente intensa de contatos, de pessoas com quem eles podem conversar, verbalizar suas ansiedades. Isso é importante para o fortalecimento pessoal. As pessoas gostam de conversar sobre sexo, dinheiro, felicidade e morte, mas muitas vezes olham em volta e não têm com quem falar.


O senhor gosta de trabalhar com grupos. Qual a vantagem deles?
Num grupo, os participantes se comprometem a ajudar uns aos outros. Numa dinâmica de grupo, também, existe maior vigilância e cobrança de mudança de atitude entre os participantes, depois que o seminário acabou. A experiência emocional que emerge do grupo é um poderoso facilitador de mudanças. Uma coisa que a experiência me ensinou é que, para mudar alguém, não basta a cognição. É necessária a emoção também. E os grupos são tônicos emocionais.


O senhor trabalha muito com a emoção nos seus seminários?
Costumo dizer que os participantes, entre eles muitos executivos seniores e CEOs, começam o programa falando de negócios, e terminam falando sobre suas mães. Veja que evolução!


O que seria o executivo “humano” na organização?
Ele é um mercador da esperança na corporação. Empresas devem produzir lucro, e para isso o CEO tem de saber criar um senso de propósito objetivo, que motive a equipe. Construir o propósito: essa é uma das funções do storytelling [técnica para contar e criar histórias]. Essa qualidade de liderança não nasce da educação formal, acadêmica – do MBA. Mas sim de capacidades intrínsecas da individualidade do CEO. Estas capacidades podem ser desenvolvidas.


O senhor é autor de mais de duas dezenas de livros e de centenas de artigos acadêmicos, apesar da agenda apertada [quando Época NEGÓCIOS o entrevistou, Kets de Vries tinha acabado de retornar de um ciclo de palestras na Austrália, por exemplo]. Qual o segredo da sua produtividade?
Eu gosto de escrever. Talvez o segredo seja esse: gosto do que faço. A inspiração dos meus escritos vem da sala de aula, das perguntas que surgem dos alunos, e também de mim mesmo. Eu tento respondê-las no papel. A folha em branco é um estímulo para mim.


O senhor deu recentemente uma declaração irônica, de que hoje em dia não é mais jovem o suficiente para ter a resposta para tudo...
Quando eu era estudante – e, depois, professor assistente – em Harvard, eu era bastante arrogante. Achava de fato que tinha resposta para tudo. Felizmente, não acredito mais nisso. Minha crença firme é no poder do grupo. Hoje eu me vejo muito mais como um facilitador, como um “porteiro”: alguém que abre as portas. Mas não sou o dono das chaves.




Fonte: http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,EMI108953-16365,00-CORPORACOES+NO+DIVA.html
Autor: Álvaro Oppermann

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