quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Meu filho, você não merece nada

A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada.

Autora: ELIANE BRUM Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê (Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E-mail: elianebrum@uol.com.br  Twitter: @brumelianebrumFonte: Revista Época



Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.
A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.
Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.
O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.
Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.
Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.
Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O custo dos acidentes de trabalho

Valor representa cerca de 9% da folha salarial dos trabalhadores

O custo gerado para as empresas com os acidentes de trabalho é "muito pequeno quando comparado ao enorme sofrimento causado ao trabalhador e seus familiares", de acordo com o economista José Pastore, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, professor da USP (Universidade de São Paulo) e consultor em relações do Trabalho e Recursos Humanos.

Durante o Seminário de Prevenção de Acidentes de Trabalho realizado pelo Tribunal Superior do Trabalho, nesta quinta-feira (20), ele afirmou que o custo que os acidentes de trabalho geram para as famílias, para o governo e para a sociedade é muito grande, e muitas vezes os números chegam a "surpreender aqueles que não estão acostumados com a sua dimensão".

Pastore disse que o custo total dos acidentes de trabalho é de aproximadamente R$ 71 bilhões, anuais, em uma avaliação "subestimada". Este valor representa cerca de 9% da folha salarial anual dos trabalhadores do setor formal no Brasil, que é da ordem de R$ 800 bilhões.

Para chegar a este número o pesquisador observou que devem ser somados os custos para as empresas e os custos para a sociedade. Para as empresas, dividem-se basicamente em custos segurados e não segurados. O primeiro envolve o valor gasto para se fazer seguro de acidentes de trabalho, e o segundo são aqueles que decorrem do próprio acidente, que causam muitos estragos na "vida" da empresa e que não estão segurados. Para a sociedade, tratam-se dos gastos com Previdência Social, SUS (Sistema Único de Saúde) e custos judiciários.

O professor lembrou que o valor investido em seguros contra acidentes de trabalho no ano de 2009 pelas empresas foi de R$ 8,2 bilhões (custo segurado). Para cada R$ 1 gasto no custo segurado, a empresa tem uma despesa de R$ 4, em média, em custos não segurados, o que perfaz um total de R$ 41 bilhões (8 x 4 + 8 já recolhidos). Somados aos custos da sociedade e aos custos das famílias (R$ 14 bilhões), que muitas vezes têm sua renda diminuída ou interrompida, a proporção aumenta: R$ 6 não segurados para cada R$ 1 segurado.

Pastore lembrou ainda que entre os custos não segurados que afetam a "vida das empresas" estão a perda de tempo causada pelos acidentes, a destruição de equipamentos, a interrupção da produção, a destruição de insumos e materiais e, ainda, despesas com afastamento dos empregados e contratação de nova mão de obra com o devido treinamento, os adicionais de risco, a perda do valor de mercado e a exposição negativa na mídia, atraindo a atenção das Procuradorias do Trabalho e da Justiça do Trabalho.

Fonte: http://www.relacoesdotrabalho.com.br/profiles/blogs/no-r7-economista-diz-que-brasil-gasta-r-71-bilhoes-com-acidentes-

Seminário de Prevenção de Acidentes de Trabalho

No TST: "Trabalhadores e patrões apresentam sua visão sobre causas dos acidentes"

“Atualmente 4% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial são gastos em acidentes de trabalho”. A afirmação foi feita pelo médico Jorge Teixeira, assessor da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro) e representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), durante o Seminário de Prevenção de Acidentes de Trabalho, iniciado hoje (20) no Tribunal Superior do Trabalho.

Na segunda metade do primeiro painel do encontro, “O acidente de trabalho e suas causas”, Teixeira proferiu palestra sobre o tema “A causalidade dos acidentes: discursos e práticas na visão dos trabalhadores”. O médico entende que o acidente de trabalho deveria ser considerado uma falha no processo de produção das empresas – como se barreiras protetoras à saúde e à segurança do trabalho tivessem sido rompidas e necessitassem de ajustes. Ele destacou também que os equipamentos de proteção individual não evitam o acidente, apenas protegem o empregado de sofrer determinadas lesões.

O representante da CNTI começou a apresentação ao som de "O samba do operário”, de Cartola, que fala da exploração de um trabalhador. Essa exploração da força de trabalho, na opinião de Teixeira, ocorre sistematicamente ao longo da história do Brasil, como demonstra uma lei de 1891, que instituiu fiscalização permanente nas fábricas do país em que trabalhassem menores de idade, em vez de proibir o trabalho, até os dias atuais, em que empregadas domésticas são obrigadas a limpar vidros de janelas em apartamentos com risco de sofrerem acidentes.

De acordo com Teixeira, as grandes obras contribuem para aumentar o número de acidentes, a exemplo do que aconteceu durante a construção da Hidrelétrica de Itaipu e da Ponte Rio-Niterói. Por isso, espera que as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo federal não sejam responsáveis por novos acidentes. O médico apelou para a união do governo, dos empresários e dos trabalhadores na formulação de políticas para o setor.


A visão dos empresários 

No mesmo painel, a exposição do ponto de vista do empresariado sobre o tema ficou por conta do advogado Clóvis Veloso Queiroz Neto, coordenador de segurança e saúde no trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O advogado reconheceu que, nos últimos três anos (de 2007 para 2009), houve aumento de 9,69% no número de acidentes de trabalho no País. Entretanto, ele atribui esse índice ao incremento de 9,35% da massa salarial de empregados com registro na carteira de trabalho.

Clóvis Veloso ainda citou dados do INSS, que apontam para a redução de 50% da taxa de mortalidade por acidente de trabalho nos últimos anos. Em 2000, ocorreram doze mortes em cada 100 mil acidentes, e, em 2009, foram seis mortes em cada 100 mil acidentes – números que considera altos, mas que revelariam avanços significativos.

Na avaliação de Veloso da CNI, que representa cerca de 420 mil empresas, a questão da segurança e saúde do trabalhador já entrou definitivamente na pauta das empresas grandes e médias. O desafio agora é sensibilizar as pequenas organizações. O advogado informou que atualmente existem negociações importantes para a melhoria da segurança e da saúde do trabalhador, tais como o uso de uniformes, primeiros socorros, equipamentos de segurança e prevenção de acidentes, além de exames e atestados médicos.

Veloso chamou a atenção para a existência de normas regulamentadoras avançadas (como a NR 12, para atividades com máquinas, e a NR 31, específica para a área rural), que não têm paralelo em outros países. Em abril de 2007, passou a vigorar norma da Previdência Social (NTEP - Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) que contém lista de doenças para caracterização de acidente ou doença do trabalho que não são adotadas nem pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) ou pela OMS (Organização Mundial de Saúde), observou.

O representante da CNI elaborou um quadro comparativo da taxa de mortalidade em acidentes de trabalho em alguns países utilizando dados de 2008. Nesse quadro, o Brasil ficou com uma taxa de 3,05%, em comparação com 3,5% dos Estados Unidos; 3,17% da Itália; 3,23% do México; 5,23% da Espanha; 9,26% da Argentina; 6,16% do Canadá; 4,86% de Portugal; e 2,4% da França.

Fonte: http://www.relacoesdotrabalho.com.br/profiles/blogs/no-tst-trabalhadores-e-patroes-apresentam-sua-visao-sobre-causas-